É NECESSÁRIO COLOCAR O “AGRINHO” NA BALANÇA
Seguem algumas anotações iniciais para contribuir na avaliação do programa agrinho de educação ambiental, que com o novo governo ressurge com força no Estado do Paraná.
Valdemar Arl
O modelo da chamada “Revolução Verde” alicerçado na integração agroindustrial, seja na organização das cadeias produtivas, seja na base tecnológica, mostrou-se altamente excludente e destruidora do meio ambiente. Embora tenha contribuído no crescimento econômico e aumento da capacidade de produção, especialmente pelo aumento da área cultivada, causou grande degradação ambiental, contaminação do meio, dos alimentos e das pessoas, aumentou os custos de produção a níveis insuportáveis resultando em grande êxodo rural, concentração de renda e das terras, e conseqüente exclusão social.
Esse modelo e proposta foi implantado com grandes esforços e investimentos públicos estatais, mas numa constante interação e articulação orgânica com grandes empresas produtoras de agrotóxicos, adubos, e outros insumos, bem como empresas agroindustriais processadoras. O avanço do capitalismo neoliberal impôs a diminuição do alcance da atuação do estado e privatização de empresas públicas, aliado ao fortalecimento do poder econômico e político das grandes empresas, com isso aumentou ainda mais o poder e o protagonismo das grandes empresas e a imposição de seus interesses nas proposições para o campo.
O agravamento da degradação ambiental, as ameaças do aquecimento global e a crescente exclusão social evidenciam as contradições entre a realidade de fato e os discursos e promessas sustentadas. Essas questões provocam crescente sensibilização e preocupações junto à opinião púbica geral especialmente em torno das questões ambientais. Diante disso, a lógica da economia neoclássica, mesmo sem significativas mudanças vem buscando “adjetivar” seus produtos e serviços com selos verdes e com contornos de sustentabilidade nos discursos.
É neste contexto e condição que se constrói o “Agrinho”, e busca-se novamente o envolvimento e comprometimento de recursos e instituições públicas. E, o que é pior entrar nas escolas e influenciar nossos filhos, com essa lógica perversa. Este programa se apresenta como um programa de educação ambiental, mas acumula efeitos subjetivos a favor desse modelo repleto de interesses dessas multinacionais.
O programa é patrocinado por entidades como o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural); pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), que reúne os grandes proprietários de terra e sindicatos rurais, por empresas de agrotóxicos como a Daw AgroeSciences, Du Pont, e por organizações das empresas dos agrotóxicos, Adef e Aenda, todos interessados na difusão do uso dos agrotóxicos.
Esse programa destina-se às nossas crianças. Você também fica indignado(a) com isso?
Veja de que forma o agrinho contribui com a continuidade do modelo com seus agrotóxicos e outros aspectos negativos para a sustentabilidade:
1. Não questiona o modelo e sua lógica, até evidencia algumas conseqüências ambientais, mas as trata como resultantes de abusos ou erros no uso das tecnologias. Basicamente sugere ajustes para diminuir essas conseqüências. Não trata das questões agrárias e sociais de fundo, como concentração das terras, êxodo rural, concentração da renda e exclusão social.
2. Evidencia o uso de agrotóxicos como fato consumado, levanta preocupações com o uso excessivo e inadequado dos agrotóxicos e adubos químicos altamente solúveis, mas expressa a idéia de que seu uso é quase inevitável, e empreende grande esforço no “uso inteligente” dos mesmos.
3. Não questiona o uso de agrotóxicos e nem discute a superação dos mesmos, e sim direciona os esforços em torno do “como usá-los corretamente”, por exemplo: ao transmitir orientações sobre a tríplice lavagem e destino das embalagens de agrotóxicos, evidencia o perigo dos agrotóxicos, mas limita as preocupações à sobra que ficou na embalagem. E o agrotóxico que é jogado sobre os alimentos, no solo, na água? Se até o resíduo é tão preocupante, onde estão as propostas os programas e recursos para a superação dos agrotóxicos?
4. Os textos citam os agrotóxicos, adubos químicos e outros agroquímicos como único caminho para a produção de alimentos. Isso é uma visão equivocada de fertilidade. Propõe o modelo agroquímico, artificializando a possibilidade de fazer produção em ambientes crescentemente degradados.
5. Dentre todo o material, o cuidado com as embalagens vazias e a tríplice lavagem de embalagens de agrotóxicos, o correto armazenamento e uso de agrotóxicos, e como utilizar alimentos produzidos com agrotóxicos estão entre os poucos temas que são detalhados no nível operacional = como fazer.
6. Quando trata dos transgênicos, primeiro evidencia os benefícios como: “... criar espécies mais resistentes contra pragas, ... , modificar os sabores e até aumentar o seu valor nutricional ...”, citando inclusive exemplos. Depois associa os problemas ao uso irresponsável. Levanta algumas das questões problemáticas em debate, mas não sugere nenhuma medida de suspensão ou proibição, mesmo diante da gravidade dos riscos e da inconsistência das informações técnicas.
7. Limita a discussão da biodiversidade aos ecossistemas, não trata da biodiversidade dos agroecossistemas e nem da questão das sementes, da contaminação e controle das sementes crioulas e da biodiversidade alimentar.
8. Não trata e muito menos propõe a agroecologia pois as dimensões ambientais, bases científicas, questões sociais e econômicas que o conceito envolve conflita diretamente com o modelo e interesses das multinacionais dos agrotóxicos. Não considera as articulações e redes existentes e muito menos as experiências e feiras agroecológicas. Refere-se à agricultura orgânica de forma limitada e afirma que esta “exclui” os agrotóxicos como se fosse apenas uma opção, quando de fato os agrotóxicos e adubos altamente solúveis são proibidos nesse sistema.
9. Não trata da soberania e segurança alimentar, pois essa temática entra em conflito com os interesses e perspectivas das empresa multinacionais dos agrotóxicos, sementes e muito menos do latifúndio da cana, soja, eucalipto, pínus e outros.
10. Não reconhece a agricultura familiar e sua importância na produção de alimentos e segurança alimentar, na geração de trabalho e renda, na conservação da biodiversidade, e tantos outros aspectos mais.
11. Exerce a velha história dos concursos e prêmios, que exercita a competição e competitividade, parte dessa lógica da sociedade da disputa do individualismo e do consumo ilimitado. Esta mesma estratégia foi utilizada para a implantação desse modelo industrial agroquímico. Essa condição está na contramão da proposta da cooperação, tão necessária no atual contexto.
12. Com prêmios de alto valor (carros, televisores, e outros...), será que a motivação para o trabalho é pela sedução de prêmios ou pela consciência da importância da educação ambiental?
13. Os prêmios estão dissociados com os objetivos da educação ambiental: carros poluem; televisores levam ao consumo; microondas consomem energia ....
14. Não reconhece os Movimentos Sociais do Campo e sua atuação em prol da sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O agrinho omite conteúdos importantes porque entram em conflito com os interesses de seus verdadeiros protagonistas, e até apresenta outros conseqüentes e efetivos, mas recorta-os para ajustar à sua verdadeira intenção subjetiva e até mesmo objetiva, como acima descrito.
Dizer que as empresas apenas contribuem financeiramente e que seus interesses imediatos alheios não é verdade. Como afirma o Engenheiro Agrônomo Sebastião Pinheiro, referindo-se ao agrinho como sendo uma mentira: “A indústria está preparando seu mercado futuro, treinando as crianças para aceitarem os agrotóxicos. É treinamento disfarçado em política pública de proteção”.
O Agrinho atinge mais de um milhão de crianças, e envolve mais de 18.000 professores(as), a um custo de mais de 2 milhões de reais, metade vem das multinacionais dos venenos e a outra metade são recursos públicos.
Qual é o verdadeiro preço, e quem vai pagar por isso tudo?
Valdemar Arl - Engenheiro Agrônomo, especialista em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável e, Administração Rural, Mestre em Agroecologia - Doutorando em Agroecologia - consultor autônomo; professor no Curso de Desenvolvimento Rural Sustentável e Agroecologia da UnC/ Concórdia - membro fundador da Rede Ecovida de Agroecologia.
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